Flávio A. de F. Teixeira.
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História pela UFOP. Colaborador externo do Projeto de Extensão Per Via et Locos.
A barragem de Fundão era de propriedade da Samarco Mineração S/A, empresa controlada pela Vale S/A e BHP Billinton, e estava localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). Seu funcionamento ocorreu de dezembro de 2008 à 5 de novembro de 2015, ocasião em que mais de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica forçaram o seu rompimento, gerando uma onda de lama responsável pela morte de 19 pessoas e o desalojamento de várias famílias que moravam em regiões próximas aos rios Gualaxo do Norte e do Carmo, na bacia do rio Doce.
Os números deste desastre ambiental o colocam como sendo o maior do Brasil: 41 cidadesafetadas em Minas Gerais e no Espírito Santo; 240,88 hectares de Mata Atlântica degradados;três reservas indígenasatingidas (Krenak, Tupiniquim e Guarani) e cerca de 14 toneladas de peixes mortos recolhidos.
Em março de 2016, foi criada a Fundação Renova que tinha dentre suas responsabilidades, a execução de 42 programas de reparação socioeconômica e ambiental e a reconstrução das comunidades destruídas. Tal instituição deveria funcionar de modo independente das empresas que a criaram (Samarco S/A e seus acionistas), tendo em vista à reparação integral e rápida de todos os danos provocados pelo desastre. Contudo, em novembro de 2020, a Fundação recebeu uma recomendação conjunta do Ministério Público Federal, das Defensorias Públicas da União, do Estado do Espírito Santoe de Minas Gerais, e do Ministério Público de Minas Gerais para que fossem retificadas ou retiradas do ar todas as matérias e propagandas cujo objetivo era o de gerar desinformaçãosobre ações que teriam vislumbradovários temas, entre eles patrimônio histórico, cultural e afetivo.
Barra Longa e a reparação que ainda não existe.
Barra Longa é um pequeno munícipio rural da Zona da Mata mineira, com pouco mais de cinco mil habitantes, localizado na confluência dos rios Gualaxo e do Carmo. Os primórdios de sua história remontam a fundação do arraial da Capela de S. José da Barra do Gualaxo, ainda na primeira metade do século XVIII, por ações do sertanista Matias Barbosa da Silva. Barra Longa foi um dos munícipios mineiros mais atingidos pelos rejeitos da barragem da Samarco S/A, uma vez que o rio do Carmo cruza todo o Munícipio. Após a passagem da onda devastadora, uma espessa camada de rejeitos tomou as ruas da cidade e de seus povoados rurais, causando à população diversos e graves problemas, incluindo os de natureza cultural, os quais perduram até os dias de hoje sem uma solução mais efetiva.
Algumas das construções que resistiram a onda devastadora de rejeitos tiveram ainda que lidar com o trânsito constante de caminhões pesados nas estreitas ruas da cidade, os quais atuavam na limpeza das vias. Dentre estas construções, está a Igreja Matriz de S. José, edificação do século XVIII a qual apresenta inúmeras rachaduras em suas paredes devido ao abalo causado na superfície do solo. Atualmente, parte da via pública que contorna aquele templo foi tomado por tapumes galvanizados, havendo uma passagem “provisória” para os pedestres. Desde o ano de 2018, a Igreja Matriz permanece fechada por tempo indeterminado, e segundo informação prestada pelo atual pároco, Pe. Dário Chaves Pereira, não há previsão para que as celebrações voltem a ocorrer naquele templo.
Desde 2018, a Arquidiocese de Mariana move quatro processos judiciais que totalizam R$ 40 milhões em pedidos de indenização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem, incluindo aí a Igreja Matriz de S. José e a Capela de N. Sra. da Conceição no quilombo da Gesteira, ambos os templos de Barra Longa. Porém, no dia 24 de dezembro de 2024, a Samarco S/A entrou com uma petição na Justiça solicitando a exclusão da ação, alegando que o Acordo de Repactuação, homologado em outubro de 2024, cobriria todos os danos. Contestando, a Arquidiocese afirmou que não participou do Acordo e que seus bens, por serem patrimônio privado de relevância religiosa e cultural, não haviam sido contemplados.
Prestes a completar dez anos, o caso da barragem da Samarco S/A precisa ser relembrado pela população em geral para além da questão da busca por reparação financeira e material, mas de como a lentidão judicial afeta ainda hoje a relação de comunidade e territorialização dos moradores dos munícipios atingidos, como o caso aqui destacado de Barra Longa. Não só a barragem foi rompida, mas a relação de vínculo entre estes moradores e seu passado, pondo em risco o legado histórico de cidades, “museus a céu aberto”, marcando mais uma página do descaso com o patrimônio cultural brasileiro. Enquanto no Brasilas mineradoras envolvidas no desastre foram absolvidas pela Justiça, há ainda a esperança de uma ação movida em Londres, estando programado para março as alegações finais quanto ao caso, podendo os valores de indenização (estimados em cerca de R$230 bilhões) serem definidos num novo julgamento.